7 de novembro de 2009

Entrevista: Fernando Morais da Costa - o Som no cinema brasileiro


Fernando Morais é professor de cinema da Universidade Federal Fluminense e autor do livro O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2008). Por e-mail respondeu a algumas perguntas do LuzCameraSom! sobre o som no cinema brasileiro: falando do início da sonorização até os dias de hoje. A entrevista foi dividida em duas partes, vamos à primeira:

Quando surgiu o cinema sonoro no Brasil?

As primeiras produções em longa-metragem de que se têm notícia hoje surgem em São Paulo, em 1929. Um sério candidato a primeiro longa-metragem sonorizado no Brasil é a comédia Acabaram-se os otários, dirigida e produzida por Luís de Barros. Barros é conhecido por ter comprado a briga de introduzir o cinema sonoro no país sem importar o Vitaphone, o aparato que tinha resolvido a questão nos EUA. O arremedo de Vitaphone brasileiro, o Sincrocinex de Barros, batizaria ainda sua própria produtora.


Vale lembrar que não há tanto atraso com relação ao advento do sonoro nos EUA, já que o ano de 1927 é considerado um momento chave, graças ao sucesso de O cantor de Jazz, embora em 1926 a mesma tecnologia já fosse comercializada. Após Acabaram-se os otários, Barros produz outros filmes sonoros, mas é em 1931, pelas mãos de Wallace Downey, norte-americano radicado em São Paulo, que aparece a primeira produção de maior sucesso comercial, Coisas Nossas. No Rio, há também no fim da década de 1920 as experiências seminais de Paulo Benedetti, gravando curta-metragens com sambistas conhecidos para testar a validade do sistema de gravação em discos exibidos em sincronia com a película.

A produção de longa-metragens cariocas sonorizados concretiza-se a partir da inauguração da Cinédia, a produtora de Adhemar Gonzaga, em 1930. Mulher, Ganga Bruta são exemplos de primeiras tentativas de sonorização. Em breve, a paritr de 1933, as comédias carnavalescas do mesmo estúdio estabeleceriam o sucesso do cinema sonoro no Brasil.

O que acho importante ressaltar em minhas pesquisas é que a passagem definitiva para o sonoro, entre o fim da década de 1920 e o começo dos anos 1930, é resultado de mais de trinta anos de vários modelos de tentativas de sonorização, durante o período designado como mudo. Sabemos hoje, com farta documentação, que houve tentaitvas de sonorização desde o início do cinema, desde Thomas Edison.

No Brasil mesmo, tivemos durante a primeira década do século XX exibições acompanhadas de discos sincronizados e, na sequência, o sucesso do filmes cantantes, dublados ao vivo por trás da tela. O período "mudo" foi sonorizado de várias formas. Assim, a passagem concreta para o sonoro não pode ser tomada como um evento isolado, sem antecedentes.

Como o som e a trilha eram usados no início? De lá pra cá houveram muitas mudanças?

Os filmes que hoje nos estão disponíveis, como Mulher e Ganga Bruta, mostram as limitações da gravação em disco para posterior sincronização. O som de Mulher é praticamente só composto de música, embora ela estabeleça uma série de relações interessantes, sofisticadas, com a imagem.

Ganga Bruta é famoso pela imcompletude do som com relação ao que a imagem sugere: há diálogos que estão presentes e outros não; o mesmo acontece com os ruídos; e há no filme a música de Radamés Gnatalli, com a mistura entre popular e erudito que lhe era peculiar. Com o sucesso posterior das comédias de carnaval, e com a concomitante passagem da gravação em discos para o som na própria pelicula, estabece-se a estrutura de uma narrativa entremeada por números musicais cantados pelas estrelas do rádio. É o momento no qual os espectadores vão às salas de cinema para ter, pela primeira vez, um registro audiovisual dos ídolos que eles até então podiam apenas ouvir.



Pesquisadores defendem que essa aproximação, no Brasil como em diversos pontos do mundo, entre cinema e música popular concretizou a passagem para o cinema sonoro, pois aqueles filmes, para os espectadores da época, simbolizariam umas espécie de "rádio filmado". Nomes da música como Mário Reis, Lamartine Babo, Carmem Miranda, mais tarde Vicente Celestino, entre tantos outros, expandem suas carreiras de sucesso para o cinema.
Por cerca de duas décadas, o modelo da comédia musical segue fazendo sucesso no cinema brasileiro, na forma das chanchadas.

Costumo dizer que há momentos no decorrer do século XX em que mudanças tecnológicas importantes ajudam a concretizar diferenças fundamentais na forma de se fazer som para cinema. Nesse sentido, é evidente que o Brasil acompanha mudanças comuns, por exemplo, aos cinemas modernos pelo mundo afora. Quando os gravadores portáteis surgem, na virada da década de 1950 para 1960, possibilitando a gravação mais usual em externas, o som se liberta das amarras de estúdio, e, em certa parte, estão criadas as condições para que se diminua a necessidade da dublagem. Nos EUA e na Europa, a década de 1970 traz o surgimento e o sucesso comercial da Dolby, o que proporciona imensas possiblidades de sofisticação na sonorização, como é amplamente conhecido. A penetração desses sistemas de exibição multicanal no Brasil é mais ralentada, trata-se de um processo que acompanhamos a partir dos anos 80.

A última mudança fundamental é a passagem para o digital, que no som para cinema no Brasil começa a mostrar resultados a partir do início da década de 1990, com a gravação de som direto em DAT (Digital Audio Tape). Hoje, mesmo para a gravação de som direto, já usamos gravadores multicanais. Além disso, seria ainda outra grande resposta comentar como na finalização de som as estações de trabalho digitais possibilitam um trabalho muito mais detalhado do que os sistemas analógicos.

2 comentários:

Saulo Rios disse...

Fiquei com vontade é de comprar este livro.

Legal saber um pouco sobre a relação da Música Popular Brasileira com o cinema!!!
Parabéns Lila

Carlos d'Andréa disse...

Muito legal a entrevista, aguardo a segunda parte. Esta relação da música ao vivo com o cinema é muito bacana.

De repente me lembrei do cinematic orchestra, vale uma pesquisa