15 de novembro de 2009

Entrevista: Fernando Morais - Parte 2


Na semana passada postei aqui a primeira parte da entrevista com Fernando Morais da Costa, professor de cinema da Universidade Federal Fluminense e autor do livro O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2008). Leia agora a segunda parte!

A inclusão da musica popular no cinema ajudou na identificação nacional? E hoje em dia?

O processo de aproximação entre cinema e música popular nos anos 1930 do qual falamos deve ser entendido como parte de um projeto amplo de forja de uma identidade nacional em marcha naquele momento. Em um período relativamente curto, o samba no Rio de Janeiro tinha sido retirado de uma condição marginal e alçado ao status de ritmo que simbolizava primeiro uma cidade e, na sequência, um país. Dentro de um projeto de unificação nacional, da construção de uma suposta identidade comum aos brasileiros de norte a sul, a música teria papel importante, e também o cinema, ao tomar emprestado expoentes daquela vertente do cancioneiro popular.

Outro momento em que a relação sempre comentada entre música popular brasileira e cinema se estreita ocorre entre os anos 1960 e 1970. O movimento do Cinema Novo buscaria parcerias com cantores que começavam suas carreiras naqueles snos e terminariam por se estabelecer como nomes fundamentais para a música brasileira. Milton Nascimento compõe com Ruy Guerra, Caetano Veloso trabalha com Leon Hirzsman, Chico Buarque tem suas canções aproveitadas por Cacá Diegues, mais tarde por Bruno Barreto, etc.

Em mais um momento de forte cunho nacionalista, a presença da música popular brasileira não poderia deixar de ter presença marcante. Há pesquisas sobre a música em fases mais recentes do cinema brasileiro, como o trabalho de Ney Carrasco sobre o filme Cidade Oculta e a chamada vanguarda paulistana dos anos 1980, ou como a análise de Suzana Reck Miranda sobre o papel das canções em Bicho de Sete Cabeças. Mas acredito não ser mais o caso da música popular ter como função primordial criar uma identificação de cunho nacionalista. Pelo menos isso não é tão claro quanto em momentos anteriores.

Existe hoje um "caminho comum", uma linguagem brasileira na forma de se usar trilhas e som?
Não acho que exista hoje um caminho comum. Não sei mesmo se já existiu, mesmo com a análise dos momentos que já comentamos e com a prevalência, em cada um deles, de um determinado uso da música. Há sim pontos em comum na história do cinema brasileiro e eles ainda têm alguma permanência. Talvez o mais comentado deles seja o uso reiterado de canções. Não que isso seja uma característica exclusivamente brasileira, evidente, mas a continuidade da presença da canção como trilha musical dos filmes chama atenção dos pesquisadores. Trabalho extenso sobre o tema têm sido desenvolvido por Márcia Carvalho (pdf). Se pensarmos que o modelo oposto ao uso da canção, muitas vezes pré-existente, é o da trilha incidental, composta para o filme, encontraremos fases e movimentos dentro do cinema brasileiro nos quais um dos dois prevalece, e a canção parece prevalecer em vários desses contextos.



Hoje, ela ainda está presente: Bicho de Sete Cabeças, já citado, apóia sua narrativa em canções de Arnaldo Antunes. O próprio título do filme vêm de uma música conhecida no cancioneiro popular brasileiro. Baile Perfumado aproveita Chico Science e a Nação Zumbi. Porém, há hoje uma certa volta da importância do compositor específico para cinema. David Tygel trilha esse caminho há tempos, e o sucesso de nomes como o de Antonio Pinto, hoje em franca carreira hollywoodiana, atestam o espaço crescente dado ao compositor de música para cinema. Para o uso do som no geral, considerados todos os elementos sonoros e não apenas a música, o quadro é mais amplo ainda. É claro que há no cinema brasileiro características comuns a outras cinematografias, até mesmo pelo uso de tecnologias afins.

Há um cuidado cada vez maior com o papel dos ruídos e com a construção dos sons ambientes. Hoje é corriqueiro que para a sonorização de uma determinada sequência, o editor utilize centenas de pistas de som, para chegar, por exemplo, a um som de floresta detalhado o suficiente. Alguns pesquisadores têm comentado o uso indiscriminado da voz over, a voz do narrador, na maior parte das vezes em primeira pessoa. Esse artifício narrativo, que já serviu tanto ao cinema clássico quanto ao cinema moderno, hoje parece ser útil tanto para os nossos filmes de apelo mais claramente comercial quanto para aqueles que buscam maiores experimentações de linguagem. Há narração em primeira pessoa tanto em Tropa de Elite, em Cidade de Deus, em O Coronel e o Lobisomem, quanto em Lavoura Arcaica, em Estorvo. Em cada um desses casos essa voz se dirige ao espectador de uma forma, seja ela mais direta ou mais rebuscada.

Pra você qual a importancia do trilha e som no cinema?


Começo sempre meus cursos sobre som dizendo para os alunos que aqueles encontros têm um primeiro objetivo simples e fundamental: partir do princípio que no cinema som e imagem têm importâncias equivalentes. Gosto ainda de pensar que não há um elemento sonoro mais importante do que os outros, ou seja, que vozes, músicas, ruídos e silêncios têm, todos, funções fundamentais. Durante um tempo, prestei mais atenção, nas minhas análises, no papel desempenhado por ruídos e por silêncios nos filmes, por achar que esses dois elementos eram menos analisados do que as vozes e as músicas. Acredito realmente que tratamos de obras audiovisuais que, como a própria palavra as define obviamente, são constituídas metade de imagens e metade de sons. Colocar dois fenômenos fisicamente tão distintos para estabelecerem relações entre si é a brincadeira que o cinema propõe. Digo para os alunos que eles devem aprender a trabalhar bem o som dos seus filmes, presentes ou futuros, pois não compreender a importância do som é desperdiçar metade do material com o qual os filmes trabalham para construir suas narrativas.

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